SOBRE OVOS, GALINHAS E REFLEXÕES
Tarde
de domingo de outono, o sol se esparrama pelo quintal trazendo um calorzinho
morno, sem a quentura sufocante do verão. Penso nos caminhos que me trouxeram
para a rede estendida na varanda. Enquanto escuto os pássaros, revisito o
desejo de estabelecer conexões mais simples, porém mais profundas. Nosso quintal
é grande o suficiente para limoeiros, mexeriqueiras, bananeiras e galinhas.
Como não entendemos do assunto, eu e meu marido decidimos ficar apenas com seis
aves. Um galo e três galinhas caipiras. Um garnisé e sua companheira. Dizem que
dois galos não podem dividir o mesmo quintal, mas por aqui, a coisa anda fluindo
pacificamente. Quem canta primeiro é sempre o garnisé, pequeno, branco,
parecendo de pelúcia. Muito seguro de si. O caipira é alto e desajeitado, mas
também ocupa seu espaço. Na hora de comer, não tem para ninguém, ele vai
primeiro. Observar o comportamento dos galináceos virou uma espécie de meditação.
Observamos preferências e hábitos, andar em bando, banho de terra, brigas por
descobertas apetitosas. De repente pouso os olhos no cercadinho de alvenaria
que abriga o botijão de gás, do lado de fora da cozinha e vejo nossa garnisé.
Ela tem deixado alguns ovos por ali que, rapidamente subtraímos para nossa
panela. Neste dia, porém ela não saiu. Estranhei. Será que está doente? Tem
medo? Cansou do galinheiro? Está chocando? Muitas foram as hipóteses. Sem
conseguirmos comprovar.
Passados
três dias e ela continuou por ali, sorumbática. Tomamos por certo de que estava
chocando e precisava proteger a cria. Pautada no meu próprio ser friorento e,
compadecida da pobrezinha ao relento, fiz uma cabaninha com papelão para
protegê-la. Fiquei orgulhosa da minha iniciativa humanitária. No dia seguinte a
cabaninha havia desabado e a coitada estava soterrada. Tirei o papelão com todo
cuidado do mundo e ela não se abalou. Quis demonstrar afeto e aproximei minha
mão da cabecinha delicada, ela fez menção de levantar as asas e ensaiou uma
gritaria. Recuei. Pedi desculpas pois isso não é coisa que se faz com uma mãe
empenhada em aquecer os futuros filhotes.
Sexta-feira
chegou. Fui alimentar minha pequena população galiforme, eis que a pequena bate
as asas e num rasante, finalmente abandona o ninho para comer. Eu aproveito a
deixa e corro para ver os belos ovinhos que ela está aquecendo. Pasmem, quem
ficou chocada fui eu! Ao invés de ovos, a galinha passou quase uma semana
chocando umas bolinhas de argila que estavam no vaso e que, não sei como, a
danada arrastou para o pequeno ninho que construiu. Recolhi tudo e ela não
voltou mais. Ri muito da estupidez da pequena. Igualmente saí contando para
quem quisesse ouvir a divertida história da galinha e os ovinhos de argila.
Pois foi nesse recontar e pensar sobre o ocorrido que percebi quantas vezes eu
mesma gastei energia em ovinhos de argila. Quantas vezes empenhei tempo e
energia para pessoas e situações que não seriam um pinto na vida. Neste momento
a história perdeu a graça, mas ganhou filosofia e decidi que pode até parecer clichê,
entretanto a natureza tem muito para me ensinar se eu estiver disposta a
aprender.
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