onde estão minhas meninas?


Era uma manhã de domingo e embora o tempo estivesse nublado e pela hora do almoço a chuva viesse a cair, fazia sol dentro de mim. “Chove pouco em Roma neste período”, me disseram, mas choveu. Antes da chuva fomos conhecer Porta Portese, o maior e mais famoso mercado de pulgas de Roma. Deslizei-me alegremente pelas barracas que apresentavam de tudo um pouco, novos, usados, caros e baratos. Adoro uma feira e meus ouvidos se embaraçavam na tentativa de compreender os sem números de idiomas e sotaques que saltavam no ar. Há muita alegria correndo entre as cores e as coisas penduradas, mas quem olha com um pouco mais de cuidado consegue ver uma certa tristeza que mora nos olhos de um bom punhado de imigrantes. Gente que foi tentar uma vida melhor na Itália. Senti vontade de perguntar sobre a história daquelas pessoas, de ouvir suas memórias e saber por onde seus pés tinham pisado até que chegassem ali. Não tive tempo. Tio Demetrius havia organizado um belo roteiro para o dia e dentro dele uma visita ao Vaticano para ouvir a Preghiera Dell’Angelus com o Papa Francisco às 12h. Eu desejava levar uma lembrança, qualquer uma, fossem botões de camisa ou tigelinhas. Então meus olhos pousaram em uma barraca de sombrinhas que abriam os braços e exibiam imagens de pintura famosas. Eu, que adoro as bailarinas do Degas, me vi agarrada a uma longa sombrinha com suas meninas dançantes. Aquelas saias... aquelas cores...os movimentos...Degas... Não tive dúvida. Comprei a sombrinha sem pensar em como faria para trazê-la no avião. Nossa mala era grande, mas foi um baita malabarismo acomodar as pequenas bailarinas naquele espaço. Foram muitos estresses, ângulos, cálculos, tira e põe, faz uma prece que cabe. Coube. 

Parece uma bobagem, mas sempre me fiz contente ao abrir a sombrinha e libertar as mocinhas para que se banhassem na chuva. O fechou quebrou, mas não comprometeu nossa relação. Durante seis anos os dias de chuva eram dias de Degas. Este ano, porém, bem no comecinho, com a cabeça pendurada em compromissos e seriedades esqueci minhas bailarinas em algum lugar. Meu coração dói. Fiquei sem saber muitas coisas: onde esqueci, se alguém achou, se jogaram fora porque o fecho não funcionava. Não sei onde estão minhas meninas. Ah por favor, não me diga que é bobagem, que é apenas uma sombrinha. Você não compreenderia. Eu alimentei cuidadosamente um carinho por ela e pelas memórias que ela colocava em minhas mãos cada vez que a abria. Se você encontrar minhas bailarinas por aí, por favor peça desculpas pela minha displicência, diga que sinto falta e ensine a elas o caminho da minha casa. Serei para você, só gratidão!

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