Hoje, preciso doer...

(Imagem - Cíntia Moreira, linha, agulha e pastel seco no papel vegetal) 


A vida é essa linha tênue,delicada,tecida numa trama esgarçada pelos homens. É possível que você leia essas linhas daqui muitos anos e eu mesma já não esteja por aqui, ou nenhum de nós e essa escrita se perderá sem nenhum sentido. Talvez seja para mim mesma que escrevo, como forma de aliviar esse grito sufocado pela fumaça que sobe das nossas florestas. Sinto raiva pelos belos textos e discursos que proferimos mas que não geram mudanças em tempo. Sinto desespero pelas ações armadas pela ignorância, e digo ignorância mesmo, não a que é própria dos que não sabem sobre algum assunto, mas a que veste de grosseria e escárnio as bocas escancaradas. Sinto desprezo por assistir um pequeno grupo no comando de um país tão vasto, corroendo nossas riquezas, nossa identidade, nossas possibilidades. Sinto um gosto ácido na boca, provocado medo pelo futuro. O que será de nós sem mata, sem bicho, sem água? Não seremos. Que dor, que dor sinto pelos animais e plantas e que se quedam devorados pelas chamas. Recuso-me a pronunciar alguns nomes, eles ferem minha língua. Eles rasgam minha carne. Que cansaço sinto nessa paralisia que toma meu corpo e minha voz. Como sairemos deste poço escuro? A arte não é o suficiente. As ruas não são o suficiente. Dizer eu avisei, não é o suficiente.

 

Desculpem-me se pareço sem esperança, não sou. É que talvez você esteja distante. Eu costumo acreditar em transformações e na força das palavras mas hoje, hoje preciso de um pouco de silêncio. Tenho dificuldades com aquilo que me escapa à compreensão. E francamente não compreendo a estupidez humana. A minha própria estupidez. Hoje preciso do silêncio. Amanhã acordarei mais cedo. Plantarei uma árvore. Trarei flores para meu jardim. Receberei os pequenos insetos e as laranjinhas que brotam com a alegria de quem celebra a vida. Amanhã esticarei um pano no quintal onde me deitarei para olhar as estrelas. Amanhã tomarei banho de chuva, soltando gritinhos na água gelada como se fosse criança mas, hoje, preciso segurar minhas próprias mãos. Preciso deixar essas lágrimas represadas lavarem minhas olheiras e escorrerem pelo meu rosto cansado. Hoje, preciso doer...

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