O encontro do que é essencial
O texto abaixo escrevi como parte de um trabalho da disciplina Arte, Experiência e Educação, Cartografias de si, ministrada pela linda Sumaya Mattar na ECA, em 2015. Parte do processo era olhar nosso percurso, traçar uma cartografia (que chamei de encontro do que é essencial) e compartilhar poéticamente. Espalhamos tecidos no jardim, sentamos no chão e contei uma história...eis-me aqui...
Traçar minha cartografia foi um processo árduo, difícil e
desafiador. Mentalmente tudo estava lá de forma aparentemente clara, simples e
organizada. A partida iniciava-se no instante em que registrei em um papel as
experiências fundamentais, ou experiências fundantes, que ao longo da minha
trajetória me levaram até a arte educação e a narração de histórias. A escrita
mobilizou em mim as diversas possibilidades de ancoragem em variados portos na
imensidão do mar das narrativas: o trabalho com narrativas pessoais e
coletivas; as histórias nos processos de formação profissional; a arte de
narrar; o potencial terapêutico das histórias; a potencialidade criadora; as
possibilidades plásticas e visuais. A navegação nessas águas sempre marcada
pelo encontro com o outro, pela comunicação profunda entre almas, não no
sentido espiritual da palavra, mas na completude do ser.
O grande incômodo foi traduzir poeticamente essa ideia. Como
dar a esse pensamento uma forma plástica, visual, sonora? Pensei em mapas.
Pensei em instalação. Pensei em palavras. Pensei em tintas. Por último pensei
apenas em contar uma história. Em um espaço aberto. Panos pelo chão como
convite para sentar e estar perto. Estar juntos. Proposição de uma ruptura com o cotidiano de
lugares fechados, ruídos, cadeiras, solitudes. Um convite para estar presente.
Porque no fim, o essencial é a potência da história compartilhada no encontro.
A história comunica por si só, todo desdobramento que possa acontecer a partir
da escuta individual ou coletivamente, pode ser criação, arte, construção,
busca, compreensão, descoberta, abertura, fechamento, reflexão, sorriso,
lágrima, imagem, palavra, escrita, silêncio.
O trabalho com
histórias compreende o narrar e o ouvir. Narrar é portar a palavra, permitir a
fluência, acolher, sentir, perceber. Ouvir é escutar, abrir uma janela interna,
acolher, sentir, perceber. Como professora de arte, como formadora ou como
narradora, meu lugar é o lugar da proposição; de possibilitar a fluência das
histórias biográficas, autorais, de tradição oral, da Arte para a fluidez e
fruição dos processos de criação do outro. Neste lugar também se encontra meu
próprio processo de criação. Neste caldeirão de devires estão os signos, os
símbolos, os arquétipos, as comunicações intuitivas, as narrativas orais, as
histórias de vida, os olhares, as construções, as transformações.
Ao final, minha cartografia não foi plasticamente o que
imaginei quando comecei este processo. Tampouco foi simples a tomada de decisão
de sentar e contar uma história. Tantas escolhas... Que história escolher? Que
lugar? Que tecidos? Que som? Escolher é abrir mão de algo. É desapego. É
confiar na própria escolha. É seguir em
frente. Cada narração é um mergulho em mim para depois encontrar o outro. Observar e refletir o percurso, os portos, as
formas, as escolhas, foi provocativo e me ajudou a organizar meus pensamentos e
ideias a respeito do meu propósito. Para além, ampliou a percepção dos
instrumentos que possuo para minha navegação e do que preciso ainda buscar para
alcançá-lo. O que ainda preciso ler, conhecer, compreender, trocar, aprofundar,
experimentar. Tornou mais concreto o que antes parecia abstrato. É óbvio que
“navegar não é preciso” e muita coisa pode mudar, mas uma certeza me pertence,
as histórias e o trabalho com elas dão sentido para quem eu sou e porque estou
no mundo.
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