para minhas Marias...


Hoje, 12 de outubro, é no calendário brasileiro dia das crianças e para os católicos, dia consagrado à Nossa Senhora Aparecida. Ao longo do mês, romeiros do Brasil inteiro dirigem-se a Aparecida, que fica bem pertinho daqui, para agradecer ou pedir. Neste ano, são trezentos anos da aparição da imagem no Rio Paraíba. A história da aparição da Santa é importante para a cultura valeparaibana e é com muito respeito e carinho que eu e minhas amigas Fiandeiras a conservamos em nosso repertório de contadoras de histórias. Ontem, minha querida amiga Sônia Gabriel me convidou para ir  a Aparecida registrar esses encontros de emoção e fé, essa energia da gente que acredita que há algo maior que não se explica em palavras, mas podem ser expressas nas orações, nas caminhadas, nos cantos, nas velas acesas, nas imagens replicadas,  contudo, precisei ficar em casa, envolta nas reflexões e escrita da dissertação do mestrado.
Talvez trazida de longe pelo convite da Sônia, e pela foto que ela me enviou logo pela manhã avisando de sua chegada, ou pela memória de uma meditação matinal que trouxe a minha criança interior e que muito me tocou, talvez pelos fogos de artifícios, que dispenso, mas que ao meio-dia pipocaram no céu avisando que hoje era dia de festa  ou, quem sabe, pela escrita do mestrado que é intensa, dolorosa e necessária,  uma lembrança amorosa saltou em meu coração.
Bem pequena, quando ia para Brazópolis, dormia em um colchão aos pés da cama dos meu avós- Juca e Maria. Naquele tempo o quarto parecia enorme e eu, deitada,  observava minha avó com as mãos postas diante de uma imagem de Nossa Senhora Aparecida, fazendo as orações da noite. Havia uma porta que separava o quarto dos meus avós e  do meu tio Mauro, o caçula, que ainda morava por lá. Ele pegava o violão e cantava por um longo tempo, baixinho para não incomodar ninguém.  A porta não se abria pois o  guarda-roupas ficava bem em frente, mas dali, da posição onde eu estava, via um facho de luz que passava pela fresta. Eu dormia, embalada pela voz macia do meu tio, pela luz que não me deixava no escuro, e pela imagem de amor, da minha vó Maria murmurando suas rezas à outra Maria, talvez pedindo auxílio para aguentar suas dores, por seus filhos e netos, pelo companheiro de tantos anos- meu amado vô Juca. Eu guardo no peito a sensação de conforto e de alegria que eu sentia, do acalanto da voz do meu tio que ia sumindo enquanto o sono chegava, do meu avô me dando a benção e da minha avó em pé diante da Santa. Ali eu me sentia segura e forte, e os ares de Minas eram os melhores do mundo, porque não havia medo, não havia dúvida, só amor...
Depois de tanto tempo, aquele quarto ainda mora em mim. Tio Mauro se casou e tem filhos mais altos do que eu. A casa parece pequenina e diferente da minha memória infantil. Vó Maria e vô Juca já se foram... Muitas vezes a saudade é de um tanto assim, que nem dá para contar, mas ainda tenho as lembranças, o facho de luz, as cantigas, as mãos em prece. Eu também sou Maria, como minha avó e como minha mãe, e com um lágrima que escorre, de amor e de saudades, faço uma pausa para reverenciar as Marias da minha vida...

Comentários

Postar um comentário

Postagens mais visitadas