nem todo passarinho é pardal
Recentemente, Sonya, uma amiga que
nasceu e cresceu na Suíça, contou-me que quando chegou ao Brasil, ficou
encantada com tantos pássaros e com a vegetação diferente, mas que ficou
surpresa ao perceber que a maior parte dos brasileiros com quem falava, não
conhecia o nome dos pássaros e das árvores dos lugares onde viviam. Cada vez
que perguntava “Que pássaro é esse?” Alguém respondia “Ah, deve ser um pardal”!
Foi quando me disse que era uma prática comum em sua cidade, nas escolas de
ensino fundamental, os professores visitarem com os alunos um bosque próximo à
escola. Lá eles aprendiam os nomes das árvores e dos pássaros e que iam, mesmo
em dias frios ou com pequenas chuvas. Contou que esta era uma forma de
reconhecimento da identidade local. Crianças e jovens de olhares curiosos
fazendo perguntas. Pensei nas inúmeras
perguntas que surgem da observação de um pássaro. Onde estamos? Quem somos?
Como somos? Como tratamos onde estamos? Como celebramos onde estamos? Achei
linda aquela imagem. Sonya apresentou-me, dizendo sem dizer, algo que muitos
teóricos defendem: o currículo deve ser elemento orgânico, vivo, cheio de
sentidos e significados. Logo me lembrei da frase de um poema de Octávio Paz,
citado em uma das aulas de Epistemologia do Prof. Nilson J. Machado, na FEUSP-
“Liberdade é a escolha das necessidades”. Pela necessidade de organizar, escolhemos
engessar os currículos e as possibilidades de aprendizagem em grades de
horários, gavetas-disciplinas, conteúdos. Reproduzimos essa dureza de limites
todos os dias em muitas escolas de ensino básico. As escritas nos papéis são
lindas, cheias de adjetivos, coletivos e palavrórios rebuscados, mas na prática
nossas árvores e pássaros são estampas de livros. Quando muito, imagens
pesquisadas no grande mestre auxiliar Sr. Google. Será que nossa liberdade foi
roubada pelo excesso de organização e controle?
Olhar à volta, aprender a olhar,
partir de um lugar conhecido em busca de novas aprendizagens parece algo
poético demais, difícil demais, demorado demais. Ou muitas vezes tratado com
deferência nos projetos escritos, mas ignorado na prática. Tratamos o currículo
como se fôssemos o coelho de Alice no País das Maravilhas, correndo e gritando
“Não há tempo!”. Colocamos de lado nossa
capacidade, como diria Rubem Alves, de “despertar a fome” em nossos alunos,
para seguir uma lista de conteúdos a serem “dados”, quase sempre do mesmo
jeito, como se todo conteúdo fosse um pardal e não pássaros de plumagens e
cores diferentes e vivas. Urge que olhemos para o currículo como esse lugar de
reconhecimento de nossa identidade, do que somos, do que celebramos, do por que
celebramos, de como celebramos. Do lugar também da nossa liberdade. Pensei nas
possibilidades de criar caminhos diferentes apesar do mesmo currículo. Pensei
nas escolas que conheço e na dificuldade que ainda temos em olhar os pássaros,
mas sempre há uma praça, um jardim ou um pequeno bosque...
Excelente consideração, não poderia ser menos! Continue...
ResponderExcluirAdorei! Quanta sensibilidade no olhar!
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